segunda-feira, abril 03, 2017

A Questão não é o Coach


Os melhores líderes podem ser os menos notados 





Marshall Goldsmith 


   Muito do que se entende por desenvolvimento de liderança nas empresas pode ser uma perda de tempo. Veja se você reconhece este processo. Sua empresa o tem como um futuro líder. E o envia para um “acampamento de liderança”, que pode durar de um dia a duas semanas. Você será entretido por um desfile de palestrantes (como eu), e depois você se verá obrigado a criticar os palestrantes e avaliar o quão eficaz eles/as foram. Se sua empresa é particularmente rigorosa na coleta de informações, você pode ser convidado a criticar o hotel e a comida. Mas ninguém vai avaliar você. Ninguém o está acompanhando para ver o que você aprendeu ou se você realmente está se tornando um líder mais eficaz. Como resultado das críticas, as pessoas que mais podem aprender (e mudar) são os palestrantes, os membros da equipe do hotel, e os cozinheiros. 

   Isso é muito estranho, e desnuda a enorme falácia do atual processo de desenvolvimento de líderes. Nós nos concentramos demais no vendedor em vez de olharmos o cliente. Nós nos concentramos no palestrante, em vez do aluno. Nós nos concentramos no coach e não na pessoa que está sendo treinada. Nós nos concentramos demais no líder, e muito pouco nas pessoas que fazem o trabalho. 

   Isso acontece no meu coaching. Dos grandes clientes com quem tive o privilégio de trabalhar, Hal pode ser o meu melhor coachee (treinando). Na avaliação de seus colegas de trabalho, Hall melhorou mais do que qualquer outro líder com quem já trabalhei. 

   Hal dirige uma divisão com cerca de 40.000 pessoas, em uma das maiores organizações do mundo. Seu CEO reconheceu que Hal era um grande líder e quis que ele expandisse a sua atuação, concedendo-lhe mais autonomia na construção de sinergias entre as divisões. O CEO pediu-me para trabalhar com ele. Hal ansiosamente aceitou o desafio e logo envolveu toda a sua equipe. Juntos, estabeleceram o processo de gerenciamento de projetos mais rigoroso que eu já vi. Todos assumiram responsabilidades na criação de sinergias positivas. Eles regularmente informavam sobre seus esforços para envolver os demais colegas da empresa na construção de um trabalho em equipe. Eles aprendiam com a experiência de todos os colegas. E agradeciam às pessoas por ideias e sugestões, e por acompanha-los para garantir a sua aplicação eficaz. 

   Tem mais. Como eu mesmo disse a Hal, “Eu provavelmente dediquei bem menos tempo a você do que a qualquer cliente que já treinei. O que devo aprender com a minha experiência com você e sua equipe?” 

   Hal tranquilamente ponderou a minha pergunta. “Como coach”, disse ele, “você deve entender que o sucesso de seus clientes nada tem a ver com você. A questão está nas pessoas que optam por trabalhar com você.” Ele discretamente riu, e continuou. “De certa forma, eu continuo sendo eu mesmo. O sucesso da minha organização não se deve a mim. O que importa são as pessoas dedicadas que estão trabalhando comigo.” 

   Isso desmascara a sabedoria convencional sobre liderança. O que se vê na literatura é muito exagero – se não glamorização – acerca da contribuição do líder. O pressuposto é que tudo se desenvolve a partir do líder. É ele/a o responsável por ajudá-lo a melhorar. É ele/a quem vai leva-lo à terra prometida. Tire o líder da equação, e as pessoas vão se comportar como crianças perdidas. 

   Ledo engano. Como diz um antigo provérbio: “O melhor líder, o povo não percebe. Quando o seu trabalho é feito, as pessoas pensam: ‘Fomos nós que fizemos.’” [NT: Lao-tsu, editado] 

   É por isso que eu não vejo “coach como perito”. Penso muito mais no “coach como facilitador.” A maioria do que os meus clientes aprendem sobre si mesmos não vem de mim, mas de seus amigos, colegas e familiares. Eu apenas tento ajuda-los ―quando necessário ―para que não se desgarremda rota que eles mesmo escolheram. 

   Por exemplo, digamos que você quer ser um ouvinte mais atento. É bem possível que um coach possa lhe explicar o que fazer para ser um ouvinte melhor. Por certo o seu conselho será razoavelmente lógico, executável, e difícil de ser contestado. Mas será genérico. Para mudar, é muito melhor pedir a pessoas importantes em sua vida, “Por favor, me diga o que posso fazer para me tornar um ouvinte melhor para você.” Elas podem lhe dar sugestões concretas e específicas que dizem respeito a elas mesmas – de como elas o percebem como ouvinte – e não ideias vagas que você pode ler em um livro. Elas podem não ser especialistas em comunicação interpessoal, mas sabem bem mais sobre como ouvi-las do que qualquer pessoa no mundo.
   Eu não posso mudar as pessoas bem-sucedidas com quem trabalho. E eu não tento. Muitas pessoas pensam que um coach ― especialmente um coach bem sucedido ― vai resolver os seus problemas. É como pensar que você vai entrar em boa forma física com a contratação do melhor personal do mundo sem que você precise executar diversas rotinas de exercícios puxados. 

   Grandes líderes, de verdade, como Hal, reconhecem o quão estúpido é pensar que a questão está no coach. Sucesso a longo prazo é criado pelas 40.000 pessoas que fazem o trabalho – e não apenas pela pessoa que tem o privilégio de estar no topo. 


Ver também: Goldsmith, Marshall; e Morgan, Howard (2004). “Liderança é um Esporte de Contato” (tradução: Rogério A. Machado)

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