terça-feira, agosto 24, 2010

O rio, a árvore, as moças e a velha (ou inovação em liderança)

Post-its de domingo: O rio, a árvore, as moças e a velha (ou inovação em liderança)

por Adriana Salles Gomes em 22 de Agosto de 2010 às 4:13 pm

Vocês poderão conferir na HSM Management setembro-outubro a entrevista bacana que fiz com César Souza em torno de sua proposta de liderança 2.0, que rompe com vários dos padrões que encontramos hoje no mundo empresarial. Sabendo que César aprecia literatura, especialmente o realismo fantástico latino-americano de García Márquez e Vargas Llosa, ocorreu-me antecipá-lo aqui com a metáfora de um conto infantil da linha do “fantástico” que minha mãe lia para mim quando criança e que agora estou lendo para meu filho. Chama-se “Os príncipes coroados”, o autor é Theobaldo Miranda Santos e aparece no livro “Contos Maravilhosos”, de 1967.

O enredo básico do conto é o seguinte: Uma velha quer salvar três meninos que foram afastados da mãe e transformados em pedra por tias invejosas, e decide ir à Casa do Sol perguntar-lhe o que fazer para salvá-los. No caminho, um rio, uma árvore e três moças pedem à velha que pergunte ao Sol também como solucionar seus problemas: o rio, belo e caudaloso, não tem peixes; a árvore, bela e frondosa, não produz frutos; as moças, belas e ricas, não conseguem se casar. A velha assim faz e o Sol lhe dá as respostas, a sua e as dos outros. As moças precisam parar de cuspir para o lado em que o Sol nasce; a árvore deve se livrar do baú de moedas de ouro enterrado em suas raízes; e o rio tem de afogar alguém.

Comecei a enxergar um paralelo entre o conto e os conceitos de César com o rio, a árvore e as moças, que, a meu ver, servem de metáfora para os líderes natos, um dos cinco mitos atuais de liderança que César tenta derrubar (para ele, não existe isso de se nascer líder, pronto, assim como não existem características comuns aos líderes. Duas pessoas podem ser radicalmente diferentes entre si e, ainda sim, serem ambas líderes.). O rio, a árvores e as moças se consideram e são considerados líderes (são todos belos, afinal), mas não o são. É só quando se dispõem a aprender que se tornam líderes efetivamente e só podem ser julgados líderes porque aí têm realizações notáveis – no caso, gerar peixes, frutos e família.

Um dos conceitos mais diferenciados de César Souza diz respeito justamente ao que é ser líder. Para ele, é ter realizações notáveis, nada além ou aquém disso (ou seja, não é ter um monte de gente lhe seguindo). Os cincos pontos do esquema de liderança de Souza saltam aos olhos na simbólica história infantil e os trago para cá em uma versão inusitada dos post-its de inovação dominicais:

•NÃO FORMAR SEGUIDORES MAS OUTROS LÍDERES. As moças precisavam parar de querer apenas seguidores, o que a arrogância simbolizada no cuspe para “alguém maior” (o Sol) evidencia. Cessaram e se casaram. (Confunde-se ser líder com ter seguidores, alerta César Souza. Na verdade, um líder verdadeiro forma outros líderes.)
•FAZER DIFERENTE DO ESPERADO, SURPREENDER. A árvore devia se libertar dos resultados usuais, representados literalmente, nesse caso, pelo dinheiro. (César Souza diz que o líder é aquele que surpreende, fazendo além do esperado, o que não significa necessariamente fazer mais do que as metas, em geral financeiras, e sim fazer diferente.)
•TER UMA CAUSA. O rio necessitava de uma causa, traduzida na forte metáfora de afogar alguém. (Para César Souza, não há liderança sem causas dignas.)
•LIDERAR 360 GRAUS. A velha liderou 360 graus, porque inspirou o rio, a árvore, as moças e até o Sol, enquanto buscava resolver a questão mais direta dos meninos. (Para César, um líder real lidera não só verticalmente, quem está abaixo de si, mas em todas as direções, acima, abaixo, dos lados etc.)
•TER VALORES. Todos os personagens tinham seus valores, embora diferentes uns dos outros. Eu acrescentaria que, neste universo simbólico da literatura, não é à toa que a velha é uma velha, sinônimo de experiência, e que quem tem as respostas é o Sol, sinônimo de energia e vitalidade. (Para César, não há liderança sem valores.)
(Dificilmente uma pessoa sozinha preencherá o tempo todo os requisitos desse inovador líder 2.0. Três características dessas ao mesmo tempo talvez sinalizem esse tipo de liderança avançada, na minha opinião. Mas, diga-se, a velha era uma líder inconstestável, porque não apenas liderou 360 graus e possuía valores, como tinha uma causa –a de desencantar as crianças–, formou líderes –o rio, a árvore e as moças– e surpreendeu com resultados além dos planejados, porque ficou com o ouro do baú desenterrado da árvore e ficou com sua própria vida ao atravessar o rio antes de lhe contar o que ele precisava fazer.)

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