quinta-feira, outubro 11, 2007

EMPRESA NÃO É UMA GRANDE FAMÍLIA

Empresa não é uma grande família

Luis Felipe Cortoni

Ainda hoje, muitos executivos e empresários insistem em usar a família como analogia da harmonia que deve reinar em suas empresas. Parece incrível, mas em discursos oficiais, proferidos durante eventos significativos de uma empresa, ainda pode-se ouvir: "Nós somos uma grande família..." ou então "Nós, da família X S.A...".

A metáfora não é boa. A primeira razão é óbvia: a própria família não é, e nunca foi, o protótipo da convivência harmônica, pretendida em alguns discursos empresariais. Choque de gerações, incompatibilidade profissional entre cônjuges, briga de irmãos, são alguns dos exemplos, que ilustram o ambiente turbulento da convivência familiar.

O que parece muito comum entre a família e a empresa é o fato de que falar aberta e francamente sobre estas "diferenças" internas, é sinal de assumir fraquezas e pode ferir nossa imagem perante vizinhos, fornecedores, clientes, empregados entre outros. Esta "mentira" nossa de cada dia, ou a tentativa permanente de esconder nossos "rachas internos" (familiares e organizacionais) só traz desgaste, descrédito e mais tensão ao sistema e à convivência. Quem escuta o discurso da grande família só tem duas conclusões a tirar sobre quem o profere: ou é um desconhecedor do que de fato acontece, ou não quer ver o que de fato acontece.
E o que de fato acontece? Vamos nos limitar à realidade organizacional. Na verdade, ela é recortada internamente por interesses de grupos e indivíduos, legítimos na sua maioria. Não faltam exemplos destes grupos e indivíduos que convivem no dia-a-dia da empresa: o pessoal do staff, o grupo da produção, o grupo de mulheres da empresa, os casados, as pessoas de potencial diferenciado, os trainees, o comitê do projeto de reengenharia, a turma que pega o ônibus, a área de RH, o departamento de marketing, e outros tantos.

Para cada um desses exemplos acima é possível identificar alguns interesses/expectativas inerentes ao seu trabalho e sua posição dentro da empresa. Todos nós sabemos que o pessoal do "staff" e da "linha" vivem e convivem com seus desencontros e conflitos cotidianamente.
E os trainees? Não são eles um grupo arrojado, pronto para assumir funções gerenciais, dispostos a inovações, e que acaba incomodando os "velhos" de casa, já experientes e "calejados". Outro exemplo é o grupo de mulheres que exigem, no mínimo, o mesmo tratamento dispensado ao homem no que diz respeito às oportunidades de carreira, remuneração, acesso às informações, entre outras.

Como já dito, estes são interesses e expectativas legítimas que fazem parte do jogo interno da empresa, não se traduzindo, necessariamente, em intenções espúrias e em desacordo com os objetivos e a missão vigentes. Olhada e compreendida neste prisma, a empresa transforma-se em uma micro sociedade, plural, com antagonismos internos, e divergências saudáveis.
Estes grupos e indivíduos querem ver, obviamente, seus interesses atendidos e, se possível, garantidos por longo tempo, em função deste ou daquele cenário de mudanças que a empresa enfrenta. Daí decorrerem enfrentamentos, demonstrações de força, jogos de poder, alianças e coalizões. Este é o verdadeiro dia-a-dia organizacional: tenso quase que permanentemente. Não é preciso ter vergonha de reconhecê-lo e/ou aceitá-lo.

Pode até parecer estranha a negociação neste contexto, mas não é. Hoje em dia, e depois das experiências que já passamos, a eficácia da mudança organizacional depende da habilidade e da competência dos agentes de mudança "mapearem", conhecerem, e negociarem com os grupos internos, cujos interesses efetivamente serão "incomodados" pela implantação das mudanças desejadas. Quer dizer, mudar empresas hoje, não significa livrar-se (às vezes, até violentamente) da realidade gerencial existente e iniciar uma nova fase organizacional. Ao contrário, as mudanças devem levar em consideração e atuar sobre as condições organizacionais existentes.

Luis Felipe Cortoni
Formado em psicologia,é sócio-diretor da LCZ Desenvolvimento de Pessoas e Organizações e professor da Fundação Vanzolini (USP)
FONTE: www.rh.com.br

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