sábado, dezembro 09, 2006

SUCESSO NO MERCADO QUE EMPOBRECE?

Sucesso no mercado que empobrece?
Gustavo Cerbasi

Muitos de nossos ícones de sucesso empresarial construíram seu império atendendo a consumidores mal informados ou em dificuldades. Nossas maiores redes de varejo são aquelas que vendem para clientes que não sabem quanto custam seus produtos – sabem apenas o valor das parcelas no carnê. Nossos maiores bancos são aqueles que atendem à grande massa de pessoas que “investem” em cadernetas de poupança e usam o limite do cheque especial como uma extensão da renda, criando spreads bancários astronômicos.

Tais empresas não podem ser consideradas vilãs de uma economia que resiste a enriquecer. São negócios oportunistas – no melhor sentido da palavra – que atendem a um mercado que insiste em empobrecer. Nosso grande vilão é a falta de conhecimento, a falta de educação sobre coisas básicas como saber lidar com dinheiro e economia doméstica. As empresas apenas aproveitam o espaço deixado pelo maravilhoso conceito econômico de demanda. Deveriam fazer diferente?

O Brasil de hoje possui uma classe média claramente dividida. Temos a classe média que empobrece, aquela que trabalha mês após mês pura e simplesmente para pagar suas contas recheadas de juros das prestações que assume. Como consome mais do que deveria, uma parte significativa de seus gastos concentra-se em juros pagos ao varejo e aos bancos. Mas temos também a classe média que enriquece, aquela que descobriu que a terrível realidade dos juros mais altos do mundo é terreno fértil para a rápida multiplicação de sua poupança. Sabe gastar menos do que ganha e investir bem sua diferença, visando colher os gordos frutos futuros de uma aposentadoria mais tranqüila.

A classe média que empobrece ainda é e será por muito tempo a maioria. É vítima de um modelo educacional deficiente que insiste em ensinar polinômios de quarto grau a quem não sabe lidar sequer com conceitos básicos da economia, como juros, inflação e dívidas. Na madura economia brasileira, cuja inflação controlada dissipou a fumaça que nos impedia de enxergar adiante, aqueles que buscaram informação – fora dos bancos escolares, obviamente – descobriram que as condições de formação de poupança por aqui são únicas no mundo.

O tema finanças pessoais vem ganhando destaque entre os livros de negócios e em jornais e revistas. Sítios de busca por menores preços são coqueluches na Internet. O perigo do uso do cheque especial e do pagamento parcelado do cartão de crédito é intensamente alardeado pela mídia. O varejo das compras parceladas é evitado por uma pequena, mas crescente, parcela da classe média. Bancos que possuem financeiras criam marcas e logos bastante distintos de sua bandeira, cientes do anti-marketing da associação de seu nome com instituições puramente oportunistas – no pior sentido da palavra. O segmento bancário que oferece atendimento diferenciado cresceu intensamente na última década, desde que o Itaú criou o Personnalité ao comprar o BFB, chegando a ícones do varejo bancário popular, como o Bradesco e o Banco do Brasil, com seus respectivos Prime e Estilo. O sistema financeiro cedeu, enfim, à classe média que enriquece.

Essa parcela da classe média é um público que está aprendendo a investir em ações, não apenas a especular com elas. Que sabe que investir em imóveis é algo bem diferente de simplesmente possuí-los ou alugá-los a terceiros. Que entende que a escolha de fundos de investimento e planos de previdência deve ser baseada tanto nas taxas cobradas quanto no risco oferecido – e às vezes desejado. Que o gerente de sua corrente não é um consultor financeiro, mas sim alguém que lida conflituosamente entre o trabalho para o banco e o serviço para o cliente. E que aposentadoria está muito mais relacionada a sua independência financeira do que com o tempo de trabalho.

O fato é: esta ainda pequena parcela da sociedade que enriquece é aquela que, no futuro, estará consumindo muito mais e melhor do que hoje. Enquanto a sociedade que empobrece continuar endividando-se por meses após realizar seus sonhos de consumo de Natal, varejistas terão que continuar envidando esforços hercúleos para conquistar novos mercados. Contarão sempre com a limitação do baixo poder aquisitivo médio de seu pobre consumidor. Porém, se esforços forem feitos para multiplicar a cultura do bom uso do dinheiro e enriquecimento da sociedade, a perda de margem ou de spread no curto prazo significará intenso aumento de volumes no médio prazo. Não haverá perdedores quando a sociedade realmente assumir o importante papel de ensinar sobre dinheiro. Por outro lado, aqueles que focarem sua mira apenas nos que empobrecem, poderão perder o bonde do crescimento, arrependendo-se depois.


Gustavo Cerbasi é consultor financeiro e professor da Fundação Instituto de Administração, sócio-diretor da Cerbasi & Associados Planejamento Financeiro e autor dos livros Dinheiro – Os segredos de quem tem e Casais Inteligentes Enriquecem Juntos, ambos pela Editora Gente.

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