Raphaela de Campos Mello, da Casa.com.br
Pode ser aquela espinha que apareceu no nariz no dia daquele encontro especial ou da gripe que a pegou na véspera daquela importante reunião.
"Muitos desses comportamentos destrutivos estão quase fora do domínio da consciência", afirma o psicólogo americano Stanley Rosner, coautor do livro O Ciclo da Auto-Sabotagem - Por Que Repetimos Atitudes que Destroem Nossos Relacionamentos e Nos Fazem Sofrer (ed. BestSeller).
"A autonomia, a independência e o sucesso são apavorantes para algumas pessoas porque indicam que elas não poderão mais argumentar que suas necessidades precisam ser protegidas", diz o autor.
O filósofo e psicanalista paulista Arthur Meucci, coautor de A Vida Que Vale a Pena Ser Vivida (ed. Vozes) comenta sobre os ganhos secundários. "Há jovens que saem de casa para tentar a vida, enquanto outros permanecem na zona de conforto, porque continuam recebendo atenção dos pais e se eximem de enfrentar as dificuldades da fase adulta", afirma.
O problema é que, ao fazermos isso, não nos desenvolvemos plenamente. "Todo mundo busca a felicidade, a questão é ter coragem de viver, o que significa correr riscos e assumir responsabilidades", diz ele.
Reconheça suas potencialidades
Em alguns casos, o gatilho da autopunição está na maneira de como nos enxergamos. A pessoa precisa identificar suas potencialidades e se apropriar delas.
"Às vezes, buscamos a felicidade no lado inverso de onde poderíamos encontrá-la. Queremos ser bonitos, elegantes e inteligentes como os outros e deixamos de ser o que naturalmente somos", afirma a psicoterapeuta paulista Lilian Frazão, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
Só vamos entender essa postura quando avaliarmos nossa trajetória e relações familiares com a ajuda de um analista ou terapeuta. "Filhos que foram condicionados pelos pais a se sentir merecedores de satisfação somente depois de cumprir determinadas tarefas, por exemplo, se tornam adultos que postergam a felicidade", exemplifica o terapeuta familiar e sexólogo argentino Bernardo Stamateas, autor de Autossabotagem: Reconheça e Mude as Atitudes Que Você Toma contra Si Mesmo (ed. Academia de Inteligência).
E a privação pode se estender a conquistas mais relevantes. "Quem não tem permissão para ser feliz, quando obtém algo positivo, imediatamente faz alguma coisa para perdê-lo. Se arruma um namorado, o trata mal para que ele vá embora, se consegue um bom trabalho, não cumpre o horário para justificar uma demissão", constata o terapeuta.
A dor é necessária para a recuperação
Consciência e mudança estão intrinsecamente ligadas e mexer em lembranças desagradáveis é dolorido. Leva tempo até conseguirmos digerir experiências, fazer novas associações e, por fim, implementar mudanças significativas em nossa vida. Mas, se tivermos paciência e vontade de nos aprimorarmos, a jornada vale a pena.
O mergulho interior é primordial para retornarmos à superfície reformuladas. "Precisamos nos desvencilhar de todos os mandatos de culpa e nos dar permissão para sermos felizes", diz Meucci.
Mas, prepare-se para experimentar uma reação em cadeia. Se mudamos nosso jeito de nos posicionar em determinada área, as demais também serão afetadas. "As artimanhas psíquicas que usamos em casa e no trabalho são as mesmas: o jeito de negociar, de lidar com funcionários e filhos, de dar ordens", diz Meucci.
Só assim conseguiremos "exercer o que temos de melhor", nas palavras de Lilian. No entanto, não podemos menosprezar ou negar a dor. "O sofrimento é uma passagem necessária que evidencia aspectos que precisam ser reconhecidos", afirma a psicoterapeuta.
O fundamental é acreditar que somos capazes de fazer o melhor que está a nosso alcance. "Podemos resgatar a capacidade de brincar, de superar o que nos fere, de olhar para nossas potencialidades", diz ela.
Igualmente vital é aceitarmos as diferentes fases da vida e extrairmos delas os aprendizados possíveis. "Feliz é aquele que se lança para a vida e não tem medo de viver as coisas em seus respectivos momentos", afirma Meucci.
"A felicidade não é algo que alcançamos, e sim conduzimos; não depende do contexto, mas de nossa determinação para superarmos as dificuldades e desfrutarmos a vida", diz Stamateas, que nos remete às sábias palavras do filósofo francês Jean-Paul Sartre: "O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós".
Fonte: http://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/noticias/autossabotagem-o-medo-de-ser-feliz
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