Fazer negócios num outro país sem falar o idioma nativo pode ser uma experiência bastante constrangedora... "Antes mesmo de me formar, quando estava no terceiro ano de residência médica, resolvi me inscrever num congresso em Londres. Minhas noções de inglês eram básicas, mas como sei que em eventos internacionais sempre há intérpretes e traduções simultâneas, não me preocupei muito. Ao chegar, recebi um crachá com meu nome e fui muito bem tratado. Bem demais! A cordialidade excessiva apenas comigo despertou a minha atenção, até que notei que enquanto a maioria dos crachás era azul, o meu era vermelho... Foi quando me pediram para juntar-me ao palestrante principal, explicando um pouco sobre a minha experiência no Brasil. Na hora consegui dar um jeito de sair 'à francesa', e apenas mais tarde me dei conta do que aconteceu", conta o médico, Doutor Francisco Segovia. O mal entendido ocorreu porque Segovia não conhecia bem o idioma e os costumes ingleses. Enquanto no Brasil o tratamento "Doutor" é disseminado e utilizado livremente por médicos, advogados e professores, na Inglaterra, como na maior parte do mundo, ele se refere apenas a pessoas que cursaram um Doutorado. Ao se inscrever como "Doctor Francisco Segovia", o estudante de Medicina não imaginou que seria tratado como uma celebridade, e até requisitado para dar uma palestra. O episódio, ocorrido há anos, quando o inglês ainda não era considerado praticamente uma obrigação no mundo corporativo, reflete uma rotina presente ainda hoje em dia. Profissionais de todos os meios acreditam saber o suficiente do idioma e dos hábitos de países onde vão fazer negócios e cometem inúmeras gafes. Por isso, mais do que ter conhecimentos básicos em outra língua, o profissional atualmente precisa ter completo domínio do idioma que se propõe a falar e conhecer os costumes e hábitos do país que vai visitar.
"É importante saber como agem as pessoas de diversas nacionalidades. Para fazer negócios é fundamental saber se o povo é mais desconfiado, se exige contratos firmes e estruturados, ou se apenas a palavra basta para fechar um acordo", diz Susana Zipman, professora de Espanhol e diretora do CLL - Centro Latino de Línguas. Estar preparado é fundamental para que o executivo se sinta seguro e não faça nada que possa irritar ou ofender os anfitriões. De acordo com Maria Elisabeth Farina Guirao, professora de Etiqueta Empresarial da Catho Educação Executiva, o conhecimento é crucial para expandir as possibilidades de fazer negócios no exterior.
"Se as atitudes de um executivo forem consideradas desrespeitosas, seus negócios podem ser prejudicados, pois ele será visto como representante de sua empresa em qualquer lugar: no hotel, durante as refeições ou convenções, nas empresas e em reuniões".
IDIOMA EXPRESS Um dos principais problemas encontrados por executivos que precisam aprender um idioma para fazer negócios no exterior é a pressa, utilizada por muitos como desculpa para não aprofundarem o aprendizado no idioma e até nos costumes do país para o qual vão viajar. No entanto, já existem diversas maneiras de aprender um idioma rapidamente, vivenciando a cultura do país onde serão realizados os negócios. É o caso dos cursos de imersão do CLL, onde o aluno permanece durante oito horas por dia, durante uma semana inteira. "Neste período, há uma grande troca de professores, e no horário do almoço, cada dia um professor diferente faz uma apresentação do seu país de origem. Eles são da Colômbia, Venezuela, Chile, Argentina, Espanha... Isso é muito enriquecedor, pois até a maneira como cada professor escolhe apresentar o seu próprio país já mostra como os nativos gostam de ser apresentados, além de fazerem recomendações, dizerem o que acham mais interessante visitar, etc", afirma Susana. Além de possibilitarem o contato direto com culturas e costumes dos países a que se referem, os cursos de imersão garantem um grande aprendizado. "Aparentemente, é muita informação, mais é muito mais eficiente ficar durante várias horas seguidas estudando do que fazer aulas avulsas, o que leva muito mais tempo para a pessoa absorver o conteúdo. O curso quebra uma série de barreiras de inibição, pois a pessoa vai entrando no clima...", garante Susana. Segundo ela, um curso de imersão de uma semana possibilita que a pessoa faça um nível completo do idioma. Por isso, mesmo profissionais que não pretendem viajar a negócios podem fazê-lo para dar um impulso ao aprendizado no meio de um curso normal. Outro meio muito eficiente de aprender idiomas e conhecer os hábitos de um país é passando algum tempo nele. Além disso, uma experiência de vivência no exterior possibilita um crescimento pessoal bastante valorizado no mundo corporativo. "Uma das vantagens de viver no exterior é, obviamente, o aprendizado do idioma. Em algumas empresas o idioma é uma ferramenta de trabalho fundamental.
Mas a experiência internacional traz muitos outros benefícios, como flexibilidade, habilidade de administração e capacidade de improviso, entre outras", conta Marcos Calliari, diretor da EF - Education First, escola de idiomas especializada em cursos no exterior. Os cursos internacionais, ao contrário do que se pensa, vão muito além de intercâmbios escolares. As escolas da EF, por exemplo, estão espalhadas pelos cinco continentes oferecendo cursos de idiomas customizados e adaptados às necessidades de cada profissional. "Existem graduações diferentes e algumas aulas optativas, como inglês para negócios ou francês comercial", conta Calliari. E há também as complementações online, que permitem uma personalização muito detalhada. "Podemos fazer um curso de inglês médico, por exemplo. Mesmo que não tenhamos massa de alunos para fazer a aula presencial, o conteúdo estará à disposição na Internet", diz.
SÓ COM MUITA DISCIPLINA... Os cursos online, apesar de serem uma boa alternativa para quem não tem muito tempo a perder com o deslocamento até o local das aulas, não é recomendado para todas as pessoas. "Eu sou um ferrenho defensor dos cursos online, mas eles exigem um objetivo específico. É para um perfil de pessoas que têm disciplina para estudar e que já tenham uma base do idioma, senão o curso fica vago, sem ligação com a realidade", afirma Calliari. Rosana Palmieri, diretora-executiva da escola de idiomas Nefi – English & Business concorda com Calliari. "É possível, sim, aprender com e-learning. O único problema é a disciplina necessária para isso... Em função da carga excessiva de trabalho, as pessoas não se autodisciplinam para estudarem sozinhas", diz. Na opinião dela, outro inconveniente dos cursos a distância é a falta de interatividade, considerada fundamental para um bom aprendizado. Para ambos, o ideal é utilizar o curso online como um complemento ao curso presencial. Ainda de acordo com Rosana, os estudantes brasileiros precisam de um incentivo para se manterem interessados nos estudos. "Nossos alunos dizem que precisam ser cobrados, que têm que ter horário, caso contrário, acabam não tendo espaço na agenda para o aprendizado do idioma", diz. No entanto, ela acredita que esta seja uma excelente alternativa para pessoas que se dispuserem a isso. "Um dos nossos parceiros teve muito sucesso no Japão com o e-learning em função do perfil dos japoneses, que são muito disciplinados", conclui.
UM NEGÓCIO DA CHINA! E é justamente no Oriente que despontam as grandes oportunidades do mercado. "O Inglês continua sendo uma língua primordial, mas não é mais um diferencial - ele é fundamental na formação de um profissional. É essencial no mundo globalizado em que a gente vive ter conhecimentos em outros idiomas para poder desenvolver sua carreora, mesmo porque estamos num mercado onde há muitas empresas multinacionais presentes", diz Rosana. Segundo ela, o Brasil hoje faz muitos contatos internacionais, por isso outro idioma sempre facilita o seu trabalho no cotidiano. Que o digam os chineses! Com o estreitamento das relações comerciais entre Brasil e China, aumentaram as oportunidades para quem domina o Mandarim. E como poucos brasileiros têm conhecimento da língua falada por 1,3 bilhão de chineses, os que dominarem o idioma terão um importante diferencial no currículo. "O curso de Mandarim tem tido bastante procura, principalmente por empresários que querem fazer negócios com a China", conta Yan Liang, vice-diretora do Chinbra – Centro Cultural e Assessoria Empresarial China-Brasil, a única escola de Chinês indicada pelo Consulado da China. De acordo com Yan, para um brasileiro fazer negócios na China é preciso que ele fale, pelo menos, um pouco da língua. "A pessoa deve saber se comunicar pelo menos um pouco... O povo chinês gosta de fazer amizade, mas para isso é preciso entender o que se diz e conquistar a confiança dos chineses. A gente sempre diz que antes de fazer negócios a pessoa tem que fazer amizade. A língua chinesa é uma ferramenta necessária para fazer amizade", diz. Embora muitos acreditem que o aprendizado do Mandarim seja extremamente difícil, Yan garante que é bastante simples. "Nós ensinamos o Pin Yin, que usa o alfabeto romano e facilita bastante o aprendizado dos brasileiros. A gramática é bem fácil, bem mais simples que o Português porque não temos conjugações, plurais e artigos", conta. Segundo Yan, a maior dificuldade para os brasileiros é, normalmente, a pronúncia, pois existem muitas entonações, e se a pessoa muda a entonação, altera o significado da palavra. Ainda assim, a professora garante que é possível aprender o básico em apenas um ano. "Em 12 meses o aluno aprende o suficiente para viajar para a China e conseguir 'se virar'. Ele não vai entender tudo, mas vai conseguir fazer muitas coisas sozinho, como pedir táxi, comidas ou bebidas, fazer compras e pedir descontos. Ele vai ser capaz de se comunicar por meio de uma linguagem simples com as pessoas de lá. O curso é bem prático para os alunos que querem viajar", acrescenta. E no que se refere à comparação entre o Mandarim e o Inglês, Yan é incisiva. "Acredito que o Inglês vai perder espaço para o Chinês, pois hoje em dia, por causa do custo e da qualidade, todos querem fazer negócios com a China. E para isso a língua é fundamental! Tem que saber falar um pouco! Claro que o Inglês também ajuda, mas o trato com quem fala pelo menos um pouco de Chinês é totalmente diferente", conclui.
TEORIA X PRÁTICA Para Marcos Calliari, a questão de saber outros idiomas é uma faca de dois gumes. "Um deles é que, obviamente, é legal saber mais. Se você for trabalhar numa empresa francesa, por exemplo, é interessante que você saiba Francês. Mas o outro lado disso é que o Inglês está ficando tão popular que as pessoas não estão quase precisando de outro idioma. O que a gente está vendo é que aquela contraparte na França ou na China também já fala Inglês. É mais provável que o chinês e o francês estejam falando Inglês do que você conseguir manter um bom diálogo noutro idioma", diz. A prática, no entanto, contraria a teoria.
O Inglês é, sim, o idioma mais forte do mundo e continua em crescente expansão, mas quando se trata de negócios, muitos países ainda se mantêm conservadores - e não apenas países orientais seguem esta linha. Na Europa também é muito comum se deparar com situações onde o domínio da língua nativa se torna fundamental para o fechamento de bons negócios.
Roberto Chaguri, gerente de Vendas e Engenharia de uma multinacional alemã, viaja bastante a trabalho para o país de origem da empresa e sabe muito bem o que é isso. "O Inglês é universal, mas ainda existem lugares onde as pessoas mais velhas não o falam", conta. Assim como na China, na Alemanha o tratamento dispensado aos executivos que falam Alemão é diferenciado. "Numa reunião, por exemplo, se há dois alemães, eles não se intimidam nem um pouco em continuar a conversa em Alemão, mesmo que a reunião esteja sendo feita em Inglês. Por isso, em algumas atividades é quase impossível falar só Inglês", conta. Apesar de usar o Inglês na maior parte do tempo em que passa em solo germânico, Chaguri já sentiu na pele a falta que o idioma faz e por isso resolveu aprender a língua. "É um idioma bastante difícil, principalmente a parte gramatical, que é mais complexa porque eles colocam o verbo no final da frase. É preciso pensar em Alemão; não dá para tentar fazer a tradução ao pé da letra", diz. Além disso, ele conta que a língua é muito específica e as frases são muito exatas. "Não é como o Português, em que uma frase pode ter várias interpretações. Eu não digo 'A caneta está na mesa', que pode ser 'sobre a mesa' ou 'dentro da gaveta'. Em Alemão, diz-se 'A caneta está sobre a mesa do canto'. Nunca resta dúvidas!", conta. Esta exatidão aparece também no comportamento dos alemães. Chaguri não sabe definir muito bem, mas acredita que por isso o idioma seja tão específico. "Eles são muito corretos, extremamente honestos e não têm meias palavras. Fala-se muito que os alemães são muito frios, mas acredito que essa impressão seja justamente porque eles são muito sinceros. Demora muito para conquistar a confiança de um alemão, mas quando se conquista, a amizade é para sempre", finaliza.
O FIM DO "PORTUNHOL" E se os alemães são considerados muito frios, os latinos são muito quentes! A alegria e a espontaneidade são, muitas vezes, confundidos com falta de profissionalismo e descaso. Mas não se engane! Quando se trata de negócios, os latinos são tão - ou mais - sérios que os distantes alemães. Enquanto as negociações com o Mercosul crescem a olhos vistos, a busca pelo aprendizado do Espanhol aumenta entre os empresários brasileiros. O antigo "Portunhol", utilizado durante anos por brasileiros e latino-americanos, já não é o suficiente para um bom entendimento no plano corporativo. Empresários estão percebendo que falar bem o idioma dos nossos vizinhos é fundamental para evitar mal entendidos e fechar bons negócios. Por ser muito semelhante ao Português, o Espanhol gera um número muito maior de constrangimentos e situações embaraçosas que outras línguas. "É preciso tomar muito cuidado com algumas palavras, conhecidas como 'falsos cognatos'. No ambiente empresarial, é muito comum confundirem, por exemplo, a palavra 'prejuízo'. Em espanhol, 'prejuicio' significa 'preconceito'", diz Susana. A professora acredita que o mercado começou a notar a importância de falar em espanhol corretamente. "Os alunos estão começando a perceber que não é qualquer pessoa que sabe Espanhol, que vai poder ensinar bem", fala. Outro ponto importante da questão do Espanhol diz respeito à quase obrigatoriedade das pessoas falarem em inglês. "As empresas já pressupõem que a pessoa que vai trabalhar como estagiário ou trainee já sabe Inglês e nem fazem mais testes! O Espanhol ainda é considerado uma ferramenta extra. Há muitas provas de admissão nas empresas para saber se as pessoas sabem realmente Espanhol... Se a pessoa disse que sabe Inglês, pressupõe-se que ela realmente saiba, mas com o Espanhol ainda não existe essa 'obrigatoriedade' de saber", finaliza.
DIFÍCIL, MAS NÃO IMPOSSÍVEL... Seja Inglês, Espanhol, Chinês ou Alemão, o fato é que atualmente ninguém sobrevive no mercado de trabalho sem saber, no mínimo, um pouco de um segundo idioma. Em muitas empresas estrangeiras, falar a língua da matriz é quase tão importante quanto ter uma pós-graduação ou MBA; é fundamental para o crescimento profissional. De acordo com a pesquisa A contratação, a demissão e a carreira dos executivos brasileiros – 2005, realizada pelo Grupo Catho, 73,81% das pessoas ainda não falam nenhum outro idioma além do Português...
Outra pesquisa realizada pela Englishtown, líder brasileira de ensino online de Inglês, mostra que o baixo nível de conhecimento no idioma reduz significativamente as chances de uma promoção ou aumento salarial. Dentre os 193 empregadores entrevistados, 99% acredita que pouco ou nenhum conhecimento em Inglês afeta diretamente as oportunidades de carreira. E quem ainda não sabe? "Comece a estudar o quanto antes! Estude aos sábados e domingos, enquanto estiver comendo... Encontre um tempo, mas estude!", aconselha Rosana Palmieri. Fácil não é! Os adultos têm muito mais dificuldades em aprender do que as crianças e os adolescentes... Para Rosana, o maior entrave é a falta de conscientização de que a pessoa precisa ser estudante. "Quando se é criança ou adolescente, nossa cabeça está voltada para isso, e não ocupada com outras atividades. Na fase adulta, é isso que acaba acontecendo... A pessoa é tão consumida pelas tarefas do dia-a-dia que não sobra tempo para se tornar estudante", diz. Marcos Calliari compartilha da mesma opinião, mas acredita que o comprometimento do adulto e a real necessidade que ele tem de aprender são grandes vantagens a seu favor. "O ambiente de trabalho não é um ambiente escolar e trazer a pessoa de volta aos bancos escolares não é muito natural. Por outro lado, o que a gente percebe é que este profissional se dedica muito mais, pois sente a importância do aprendizado de maneira muito mais evidente", conta. De uma forma ou de outra, seja com cursos de imersão, programas no exterior ou e-learning, o importante é começar a estudar o mais rápido possível e perceber o grande benefício disso para a sua vida. "As pessoas têm que encarar isso como um benefício para elas. É importante também para o seu crescimento pessoal. Nada é mais gratificante do que ler um livro ou assistir um filme em seu idioma original. Eu aconselho que as pessoas tentem tornar isso um prazer, o que também trará um benefício profissional", conclui.
* Thalula Begara é jornalista da Catho Online. Tel.: (11) 3177-0700 ramal 474.
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