Falhas na educação assombram economia brasileira
HSM - on line
O boom das commodities e a expansão da classe média estão ajudando o Brasil a se equiparar a potências econômicas, mas o sistema educacional fraco mina sua capacidade de competir no longo prazo.
A grande descoberta de petróleo no pré-sal e a obtenção do grau de investimento neste ano fomentaram expectativas de que a prosperidade dos 185 milhões de brasileiros era apenas questão de tempo. Mas o histórico de negligência educacional é um dos maiores obstáculos do país para se juntar ao grupo das economias desenvolvidas.
A escassez de mão-de-obra qualificada já é sentida. Especialistas afirmam que o Brasil continuará a ter problemas até que o sistema educacional melhore e mais trabalhadores sejam educados apropriadamente.
"Se eu resolver crescer, mas ser primário exportador - exportar pau e pedra -, aí educação é relativo. Agora, se eu resolver fazer uma inserção internacional qualificada, o que significa exportar pau e pedra, mas também tecnologia e conhecimento, daí a educação é fundamental," afirmou Jorge Abrahão, diretor de Estudos Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Dentre os países que formam o bloco Bric, a taxa de alfabetização do Brasil, de 89 por cento da população adulta, fica atrás dos 99 por cento da Rússia e 91 por cento da China. Somente a Índia fica em situação pior, com 61 por cento dos cidadãos capazes de ler e escrever, segundo relatório do Banco Mundial.
Na América do Sul, somente Peru e Bolívia possuem taxas de alfabetização inferiores à do Brasil. Forte crescimento econômico, renda em ascensão e programas de bem-estar social tiraram milhões de brasileiros da pobreza nos últimos anos, mas muitos outros estão presos na extrema miséria.
"Atrasou demais. Porque, se eu tivesse tido chance na vida, tivesse tido educação como eu vejo outros que tiveram por aí, eu jamais estava nessa vida em que estou," disse Ana Maria Soares, que aos 60 anos é analfabeta e trabalha como doméstica por cerca de 350 dólares por mês. "Eu lamento muito pelo que eu não tive. A minha educação foi só trabalhar."
O sistema educacional brasileiro possui uma extensa lista de problemas, incluindo professores mal pagos e mal preparados e muitos estudantes vivendo em condições sociais e econômicas paupérrimas. Uma pesquisa do governo em 2005 apontou que a expectativa era de que apenas 54 por cento das crianças que iniciariam o ensino fundamental naquele ano, iriam completá-lo. Desde então, a ajuda do governo para famílias com crianças na escola melhorou a freqüência escolar, mas muitas ainda trabalham para ajudar no sustento da família ou são arrastadas para o mundo das drogas e do crime.
"É muito difícil ter apoio da família em geral. Na verdade, a família aqui se constitui, às vezes, de avó, de tia, de irmão mais velho. A grande maioria não tem pai," afirmou Ilária Soares Arruda, diretora da escola com a pior classificação do Distrito Federal em avaliação feita pelo governo federal.
PADRÕES BAIXOS
Mesmo aqueles que freqüentam a escola aprendem menos que seus pares em outros países. A última pesquisa educacional publicada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) coloca o estudante brasileiro do ensino médio em 53o e 51o num total de 57 países nas avaliações de matemática e capacidade de leitura, respectivamente. A Coréia do Sul ficou com a primeira posição nos dois quesitos.
O Brasil possui boas escolas. mas elas freqüentemente são localizadas em áreas mais privilegiadas. Na escola que recebeu a melhor classificação do Distrito Federal, em um bairro de classe média alta em Brasília, as crianças sentam no pátio, uma vez por semana para ler livros ao som de música clássica. O objetivo é despertar nos alunos o prazer da leitura.
O Brasil negligenciou a educação por séculos e inaugurou sua primeira universidade somente em 1934, quase três séculos depois que outros países do hemisfério. E o Estado investiu quase sempre nas elites e não nos pobres, para manter um bom número de mão-de-obra barata.
"Para o Brasil, o grande desafio em matéria de competição é a dispersão que existe. De certo modo, as diversidades do mundo existem dentro do Brasil," apontou Suhas Parandekar, especialista sênior em educação no Banco Mundial.
Na última década, os governos no Brasil investiram pesadamente no aumento da freqüência escolar, mas pouco na melhora da qualidade de ensino.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não concluiu o ensino médio, tem canalizado investimentos em escolas de baixa renda, construção de campus universitários e treinamento de professores. Atualmente, o Brasil gasta 4 por cento do PIB com educação, mais que os 3,2 por cento da Índia e os 3,8 por cento da Rússia, segundo última pesquisa feita pelo Banco Mundial. Os números relativos à China não estão disponíveis. Mas os críticos afirmam que a educação ainda não se tornou prioridade nacional e, mesmo com políticas de primeiro nível, as melhorias não serão visíveis por pelo menos mais uma geração.
"Temo que continuaremos muito atrasados daqui a dez anos. Porque a correção desse processo é lenta e eu ainda não estou vendo - tanto no setor público quanto na própria sociedade - uma prioridade, uma ênfase na educação como grande desafio da sociedade brasileira," lamentou Eduardo Giannetti, professor de economia no Ibmec, em São Paulo.
Fonte: Reuters26/08/2008
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